Monday 24 December 2012

Bom Natal


Encontrei este vídeo no 31 da armada. Estou certo que foi inadvertido, mas os paralelos com o tempo atual são altamente aproveitáveis. Partilho os desejos de bom natal formulados em 1973 pelos soldados da guerra mais anacrónica do século XX. E, bom, que os meus desejos de bom ano novo resultem tão bem como os destes soldados. 

O fim do Washington Consensus foi televisionado

Pietro Liberi, o tempo derrotado pela Verdade, algures no século dezassete

Parece que um sujeito enganou o Expresso e a SIC Notícias, fazendo-se passar por alto funcionário da ONU e expressando opiniões fortemente idiossincráticas que se colocavam, aliás, ao mais radical arrepio da opinião e da prática de pelo menos duas das agências especializadas nas Nações Unidas, o Banco Mundial e o FMI. E tudo isto a acontecer, com grande sorte, nos media portugueses. Só mesmo jornalistas - só mesmo jornalistas portugueses - é que podiam encarar com tanta normalidade que um alto funcionário de uma organização pública pudesse mandar bitaites na televisão, a título pessoal. Por incompetência, desconhecem por completo o modo de funcionamento de uma organização como a ONU e, por vocação, acham normal que um funcionário de uma organização pública sirva de fonte e fale a título pessoal. 

A capacidade de discernir a ficção da realidade não é o forte dos portugueses. Um dos episódios mais enternecedores desta incapacidade deu-se quando a RTP teve de explicar publicamente que o programa Último a Sair era um reality show a brincar, apesar de o apresentador Miguel Guilherme ser frequentemente chamado Teresa e o Marco, do Big Brother, ser novamente expulso, no primeiro programa, por dar um pontapé num concorrente. O humor absurdo, nonsense, não é muito popular em Portugal por uma concorrência absolutamente desleal da realidade.

Sunday 16 December 2012

Londres

Na Saatchi Gallery está uma extraordinária exposição com o título "gaiety is the most outstanding feature of the soviet union". Gaiety - uma espécie de felicidade evidente mas elegante - é uma das palavras de que mais gosto. Nas discussões de Estética do século XIX discutia-se a diferença insanável entre o Belo - uma experiência desinteressada por algo que é eterno, constante, limitado (às fronteiras da tela de um quadro, ou das formas de uma escultura, etc) - e o Sublime - uma experiência assustadora, que se devora a si mesma, perante algo cujos limites se desconhecem (um desfiladeiro, o mar, o céu, talvez). Na minha definição, gaiety é um belo que também é sublime. Uma felicidade exuberante, sublime mas limitada por uma toda-poderosa elegância. Com o tempo, tenho chegado à provisória conclusão que gaiety - cuja definição que uso é muito provavelmente pouco exacta - é provavelmente uma mentira. A elegância não consegue limitar algo ilimitado, mas apenas distrair para o facto de não ter limites. E quanto maior a elegância, melhor o esconde. Ora algo cujos limites se desconhecem não parece gerar realmente beleza nem felicidade, mas apenas uma vontade, sempre frustrada, de a encontrar e limitar. A felicidade tem de se conseguir levar para casa no fim do dia (ou, como Dalí dizia, a beleza tem de ser comestível). Cortar e levar para casa um pedaço de algo que não tem limites, esperando que preserve todas as suas caraterísticas, é, talvez, uma ilusão tonta - podemos levar água do mar para casa, mas a água não é o mar.

A frase que dá título à exposição faz parte da tradução de um discurso que Estaline fez nos anos 30. Repare-se que a tradução não foi "happiness", ou "merriment", ou "joyfulness", muito menos "hubris", mas sim "gaiety". E, para mim, faz todo o sentido. A felicidade de uma revolução de que se desconheciam os limites - e eram tão feios esses limites - não podia ser alegre, limitada, encontrável, mas uma espécie de promessa íntima, uma espécie de água engarrafada que se garantia ser o mar. Esta felicidade - que é simultaneamente uma coisa do presente, exuberante e visível, mas que verdadeiramente só se alcança no futuro (se quisermos, é a felicidade emprestada por um futuro que não se sabe se terá como a pagar de volta) - é título de exposição de jovens artistas russos, que vivem maioritariamente em Londres, sobre o passado do seu país - ou na verdade, sobre o futuro imaginário de um presente imaginado por Estaline. Uma felicidade que simultaneamente não se alcança mas que já foi alcançada é brilhantemente capturada pela jovem Vikenti Nilin, que fotografou vários russos sentados serenamente no limite de varandas de arranha-céus. Russos que, no presente, ou, mais precisamente, no limite de um passado que nunca foi realmente um futuro à altura do discurso de Estaline, se sentam confortavelmente, sem ilusões, e contemplam, com uma mestria arrepiante, as coisas sem limites.

A minha fotografia preferida é esta: 


Wednesday 5 December 2012

22

Um soneto para o dia de hoje. Onde o poeta diz que o espelho não o pode convencer que é velho, na medida em que o seu amor permaneça jovem. E pergunta-se: como é que eu posso ser mais velho do que tu (how can I be elder than thou art) se o teu coração está no meu peito (thine - heart - in mine breast) - se o que mantém o outro vivo é parte de mim, como é que posso morrer antes de ti? A lógica do amor não é uma lógica muito humana. É por isso que o amor não é verdadeiro, mas é real.

My glass shall not persuade me I am old,
So long as youth and thou are of one date;
But when in thee time's furrows I behold,
Then look I death my days should expiate.
For all that beauty that doth cover thee,
Is but the seemly raiment of my heart,
Which in thy breast doth live, as thine in me:
How can I then be elder than thou art?
O! therefore love, be of thyself so wary
As I, not for myself, but for thee will;
Bearing thy heart, which I will keep so chary
As tender nurse her babe from faring ill.
Presume not on thy heart when mine is slain,
Thou gav'st me thine not to give back again

Soneto 22 de Shakespeare

Monday 3 December 2012

A morte não é um sintoma

A certa altura, num episódio já da última temporada do House, a assistente Adams acha bem alertar o chefe que o paciente, ao qual este estava a dedicar dias inteiros, estava, digamos, morto. A resposta foi amplamente citável:

"House: Death is a consequence, not a symptom. If it's not a symptom, it's not relevant."

A maioria das boas notícias sobre variáveis macro neste país, mesmo quando não dizem diretamente respeito à economia, não são sintomas. Não são sintomas porque a morte não é um sintoma. E se não são sintomas, não são verdadeiramente notícias - a menos que sejam devidamente acompanhadas por uma nota que diga, tipo, que poluimos e importamos menos porque existimos menos. Os jornalistas estão a escrever certidões de óbito sem tirar conclusões precipitadas.

Sunday 2 December 2012

Londres

Há vários tipos de regressos que nos levam a sítios novos, mas devemos garantir que haja pelo menos um que nos leve ao mesmo sítio. É que demora muito tempo até percebermos que, por mais que andemos, acabamos por chegar aos mesmos sítios. Quando percebemos isso, já é tão tarde que provavelmente nunca temos tempo para lá chegar. 

Não sei se Londres é o meu sítio, acho que não, mas passei lá muitos anos e aquilo sempre me pareceu uma cidade para se voltar. É uma cidade porreira para se voltar. Também é uma cidade porreira para se viver, mas é, acima de tudo, uma cidade porreira para se voltar. 

É coisa para cinco dias. Gostava de conseguir fazer posts sobre alguns dos sítios onde quero ir. 

Monday 26 November 2012

Ortodoxia

Para Chesterton, o descobridor não sai de Inglaterra e chega ao Polo Sul, mas sai sim de Inglaterra e, por acidente, volta ao seu país convencido que acabou de descobrir uma nova ilha nos mares do sul. A ideia não é bem a do eterno retorno, que pressupõe que a Inglaterra onde o descobridor chega, por engano, ainda é a Inglaterra que ele deixou. É um eterno retorno onde se chega a algum lado.

Não sei se o Sam Mendes leu o Ortodoxia, mas a ideia está no 007 skyfall. Em vez de destacado para as trincheiras distantes que defendem a civilização da barbárie, em vez de afastar a fronteira com o Outro para os mares do sul, o agente secreto traz essa mesma fronteira para o coração de Londres. A barbárie está no próprio coração dos serviços secretos. E esta é uma inovação que me parece fazer todo o sentido, vindo talvez com uns 23 anos de atraso. Gostei.

Wednesday 21 November 2012

Os pobres enquanto menos ricos

Contava-se muito esta anedota quando eu era pequeno: na escola os meninos têm de escrever uma composição sobre a pobreza, e o menino rico escreve que na casa do menino pobre todos eram pobres - o cozinheiro era pobre, o jardineiro era pobre, o motorista era pobre. Esta visão anedótica - no duplo sentido que a palavra em inglês tem - tem-se revelado surpreendentemente arquetipal nas declarações recentes que a nossa elite - elite, vá, "elite" - tem feito sobre a pobreza (é assim, a crise é como a professora que obriga os meninos ricos a escrever sobre a pobreza). 

Recentemente parece que a CM de Lisboa decidiu que os carros anteriores ao ano de 2000 não podem circular numa zona restrita de Lisboa. Nuno Gouveia, no 31 da armada, escreve, em resposta, que "António Costa não gosta de pobres". Na cabeça desta gente, um pobre é, basicamente, um tipo que tem tudo o que o rico tem, mas tudo o que tem é um bocadinho pior (isto lembra-me Protágoras, mas também o Underground, do Kusturica, onde o rapazito, que passou a vida toda numa caverna, vê uma raia e atira-se à água porque pensa que a é a mulher que se afogou, já que tudo o que conhecia com aquela forma era o véu da mulher com quem tinha casado dias antes): faz férias no estrangeiro, mas não chega às Maldivas, fica em Ibiza; vai à revista, não vai ao S. Carlos; come bifes de frango, não come carne de vaca; tem um cozinheiro, mas o cozinheiro é pobre também. E tem um carro, mas o carro é pior. Na cabeça desta gente, há uma linha integralmente contínua que separa o rico do pobre, uma régua onde a distância entre toda a gente pode ser medida numa unidade monetária homogeneizante (ou seja, não há classes, há indivíduos). É sobre esta régua continua  que a senhora Jonet queria fazer alinhar os pobres: fazê-los transitar da extremidade mais rica para uma mais consistente com a sua riqueza (é tudo um processo de re-ajustamento horizontal: ninguém cai, é só andar um bocadinho para o lado). É também esta a régua, aliás, subjacente aos modelos económicos que estão por detrás dos "processos de reajustamento" baseados na deflação doméstica que os austeritários impõem sobre o país. E é este, também, por fim, o raciocínio do sr. Nuno Gouveia. Como é óbvio, a pobreza é disruptiva, não é contínua. A fome, a vulnerabilidade, a humilhação, a privação, são condições que determinam o rumo da própria vida, não se limitam a torná-la mais difícil ou menos agradável. Um pobre não tem carro, muitas vezes não tem casa, não faz escolhas, e não é afetado pelas políticas do sr. António Costa.

Sunday 11 November 2012

Welcome to the desert of the real


Depois de a direita ter levado uma abada nas ideias, sequencialmente, de que vivíamos acima das nossas possibilidades, de que o FMI vinha pôr as coisas na ordem e de que a austeridade ia funcionar, seria de esperar que se calassem por um bocado. Mas não. Não só falam, como fazem um vídeo absolutamente medíocre, caricatural, saloio, onde desfilam em trajes menores as ideias que há tão pouco tempo desprezavam. O vídeo fala por si mesmo, não é preciso notar grande coisa, mas acho particular piada ao facto de o mesmo ter como pano de fundo, sempre presente, um monumento salazarista (e terminar no muro de Berlim). 

Wednesday 7 November 2012

O regresso aos mercados


Encontrei esta imagem no facebook, e lamento não ser capaz de dar os devidos créditos e congratulações a quem a tenha concebido. Penso que é a melhor representação do objetivo último da estratégia económica do governo português, conhecida como deflação doméstica (ou, em realês, empobrecimento generalizado da maioria) em torno do objetivo patriótico do regresso aos mercados. É este, efetivamente, o regresso aos mercados. 

Tuesday 6 November 2012

água e sabão

Um amigo postou uma imagem no facebook que dizia que 99% da beleza feminina sai com água e sabão. As reações não foram simpáticas. Não sei bem porque é que há esta concepção de que toda a beleza tem de ser natural. Melhor, que a beleza, para ser beleza a sério, não pode envolver esforço - ou pelo menos o esforço não pode ser visível. Verdadeiramente, a ideia não parece nova - não sobraram ruínas de casas de escravos à frente das pirâmides (e o espartilho era coisa que não se via). Houve sempre o cuidado de remover qualquer indício de trabalho à frente de todas construções (bendito Pompidou!). Acho que a novidade não está na necessidade de fingir que não há esforço na construção, mas sim na necessidade de fingir que não há sequer uma construção. Se a brasileira brega põe silicone barato e usa maquilhagem, não merece ser considerada bonita. Mas se uma mulher puder comer bem a vida toda e pagar um ginásio, aí sim, a beleza é natural. 

Toda a beleza é uma construção. Uma construção dos nossos olhos. Ou da maneira como vemos o mundo.

Sunday 28 October 2012

Modernismo feliz

Na maravilhosa exposição da arte déco em Portugal, no mnac, encontrei esta bonita escultura de tamanho real em terracota, de Canto da Maia, que representa Adão e Eva (tendo como nomes alternativos "Êxtase", "Canto de amor" e "Juventude"). O par primitivo de apaixonados (sem histórias de amor trágico para lembrar), Adão e Eva, simultaneamente íntimos e excluídos um do outro, mestres e servos da harmonia selvagem da paixão, só com uma maçã na mão de Eva a lembrar o espectador da sua impotência perante a tragédia que se segue.


Thursday 25 October 2012

A tragédia


A forma mais sublime da tragédia é aquela onde o espectador tem todo o conhecimento e nenhum poder, e regressa assim a uma espécie de infância onde a sua condição não tem linguagem que lhe permita dizer de onde vem a dor nem capacidade de sozinho se desembaraçar dela. As personagens, pelo contrário, têm muito poder mas sabem muito pouco. A imagem acima é do filme "Insustentável Leveza do Ser" - depois de todas as antíteses se terem resolvido (ou seja, quando já não há mais forças dolorosas que façam acontecer coisas na vida dele), Tomas sente-se feliz, segundos antes de morrer num acidente no carro que é ele próprio, finalmente, que conduz. 

Shakespeare é o mestre deste tipo de tragédia. Aquele momento, por exemplo, do "Mercador de Veneza" onde o público ouve impotente Jessica e Lorenzo expressarem a sua paixão citando nomes de personagens de histórias de amor das quais desconhecem os fins trágicos, apesar de serem clássicos que toda a gente conhecia. O público sabe assim que são trágicas e sabe, se tiver idade suficiente, que a paixão tem tudo para ser eterna excepto tempo. Mas não se pode fazer nada, não é possível dizer-lhes. Há uma outra peça onde Shakespeare ainda ilustra melhor esta ideia de tragédia, lembrando-nos que nós também fazemos parte dela. No "Sonho de uma Noite de Verão", dois casais de noivos assistem à gargalhada a uma péssima representação do enorme drama de Thisbe e Pyramus, ignorando que, horas antes, estavam numa floresta onde os deuses, chateados com outras coisas, tinham trocado as suas paixões só para as trocarem logo a seguir e outra vez. Os casais que só por um mero acaso se amam riem confiantes de uma tragédia mal representada, fortalecidos numa certeza indestrutível e acidental - e é assim que vejo a tragédia, como algo que, tanto pela ignorância de quem a vive como pela impotência de quem a vê, é indestrutível. É por isso que fazemos parte integrante da tragédia. Nesta peça, claro, o público vê-se a si mesmo no riso daquela gente ignorante e apaixonada, e dificilmente ri - de uma comédia que é realmente trágica. 

Sunday 21 October 2012

The world is still deceived with ornament

Fui a Almada ver uma representação do Mercador de Veneza, a peça de um grande génio chamado Shakespeare mas também a de um pequeno mau génio chamado tempo. Os quatro séculos onde a peça foi comentada por gente como Goethe, Pope, Marx, Freud, representada no novo mundo, no velho e na barbárie do iii reich, dão a cada palavra pouca liberdade e muito peso. Percebe-se a vontade de inovar, e nós portugueses nunca nos fizemos rogados. 

Infelizmente, nem sempre é boa ideia. Para iniciar, a peça vive da polarização entre conceitos aparentemente contraditórios: entre a Veneza capitalista, formal, masculina, onde até para fugir é preciso vestir-se de homem, e uma Belmont intuitiva, feminina, idílica; entre um Shylock calculista, vingativo e rico e um Antonio sensível, generoso e empobrecido. Estes contrários são apresentados de modo extremamente elegante por Shakespeare, como um paralelismo permanente entre os dois locais, que se fecham numa síntese onde os homens intermediários - Antonio e Shylock - terminam igualmente sós e os que meteram os recursos a funcionar e aceitaram o risco herdam o paraíso. Mas o arranjo de hoje, inovador, resolve partir a peça em duas partes, a primeira das quais mostra de seguida tudo o que acontece em Veneza e a segunda tudo o que acontece em Belmont. A ideia talvez tenha sido a de a primeira parte focar-se no ponto de vista de Shylock, que não conhece o que se passa em Belmont e se limita a ser rapidamente engolido numa série de eventos que não só não lhe permitem vingar-se, como o levam a perder tudo o que tem (filha, dinheiro, religião, por esta ordem). Mas não funciona. Sem o paralelismo, não há necessidade de uma síntese, mas apenas da resolução de dois problemas distintos: o de Shylock, que fica sozinho, e o de Antonio, que fica sozinho, mas o ponto é que ficam ambos sozinhos em simultâneo e como resolução de um problema comum. Tal como os dois homens opostos são semelhantes, Belmont precisa da existência paralela de Veneza, da qual é impossível de se distinguir: o paralelismo entre a melancolia de Antonio e Portia, a dependência de Belmont da riqueza (herdada) de Veneza (que a gere), e de Veneza da redenção de Belmont, tornam as cidades como os dois lados do mesmo local. Este problema com a peça é ainda mais óbvio quando a frase mais importante, da Portia no tribunal - "which is the merchant here and which the Jew?", em vez de ser dita inteira, como um todo, é dita em duas partes: primeiro pergunta quem é o mercador, e apresenta-se Antonio, e depois quem é o judeu, e apresenta-se Shylock. Uma das frases mais importantes da peça, que pretende introduzir a incapacidade de distinguir os dois homens e que tem inerente uma enorme ironia (dado que é impossível não reparar que o Judeu tem a capa e o chapéu), passou a ser dita como se o fosse por uma professora primária a fazer a chamada. 

Para piorar, a representação é medíocre. O momento que mais gosto da peça é quando Lorenzo e Jessica procuram elevar o seu amor à eternidade, comparando-o, à vez, com os exemplos mais românticos da antiguidade clássica (Troilus e Cressida, Thisbe e Pyramus, etc) sem nunca referirem os fins trágicos que estes pares tiveram. Eu gosto de pensar que não o referem por terem tido uma educação incompleta, que só lhes permitiu reter nomes e não as histórias em si. Não é por acaso que Ben Jonson acusou Shakespeare, depois da morta deste, de ter pouco latim e ainda menos grego. A educação formal incluía o grego e o latim suficientes, tal como hoje se ensina muita álgebra mas pouco cálculo nas escolas secundárias, pelo menos em Portugal. Não tendo tido educação suficiente para conhecer o lado trágico dos exemplos que citam para engrandecer o amor que sentem, o elemento trágico de um amor apaixonado - algo que não parece ter um fim apesar de ele estar sempre presente - está ali visível (para a assistência) na força toda. Eu só consigo imaginar os dois deitados na relva, só com a luz das estrelas, interrompendo-se mutuamente para citarem novos exemplos de amores insuperáveis. Nesta peça, os dois estão em pé (em pé!), e não só não se interrompem, como declamam as suas frases pausadamente. Como se soubessem o que estão a dizer... 

Esta é, aliás, em toda a linha, uma peça onde não há sentimento: no tribunal, que representa a confluência de séculos de opressão dos judeus na Europa, que finalmente podem ser vingados, com o terror de um homem que acha que lhe vão arrancar literalmente o coração (por causa de uma dívida que serviu para que o amor da sua vida pudesse seduzir a mulher que o levou), e não há um ui, um ai, tudo é declamado, tudo é medo de Shakespeare. 

E acabei por falar de tanto e não falei do mais importante, que é o enorme paralelismo da peça (original) com o troikismo deste país. Ficam só dois detalhes: o modo como Bassanio explica que é preciso dinheiro para conseguir salvar o dinheiro que perdeu e que agora deve (dando o brilhante exemplo de que quando perde uma seta, precisa de lançar outra seta para saber onde aterrou a primeira), e o modo como Antonio se expressa no tribunal, referindo que o seu pathos, a sua crise, o destruira de tal forma que não sobraria o pedaço de carne necessário para pagar aos seus credores.

These griefs and losses have so bated me, 
That I shall hardly spare a pound of flesh 
Tomorrow to my bloody creditor. 

Tuesday 16 October 2012

Os conservadores não gostam muito de História

Há um ano eu chamei ao memorando de entendimento da troika o novo tratado de Versalhes. Um tratado com medidas de austeridade extrema que tinham como objetivo garantir que a Alemanha não voltava ao seu estado bélico. As medidas do tratado enfraqueceram-nos tanto, que praticamente se tornou inevitável que a Alemanha se tornasse um estado bélico. O memorando quer garantir que Portugal paga a dívida, destruindo a economia de tal modo que se torna impossível pagar a dívida. Etc etc. 

É curioso que alguém tente defender que o problema da Alemanha nos anos 30 tenha sido a deflação. Não, é mesmo só parvo. 

Monday 8 October 2012

Um governo preso no liberalismo

Tal como há um ano eu estava convencido que o mais importante era demonstrar que o memorando era uma contradição nos seus termos e reduzia objetivamente a probabilidade de Portugal vir a pagar a sua dívida, resultando assim que o único objetivo era o de punir o país e servir de exemplo para que outros países da periferia europeia não ponderassem usar políticas pró-ativas e contra-cíclicas parar responder ao avolumar da crise económica - enquanto caiam de maduros os ativos nacionais vendidos a preço de saldo -, hoje acho que a grande batalha para a esquerda passa por não deixar que nos digam que este governo não é um governo liberal. Isto é tão mais importante quando já se percebem as tentativas de substituir este governo por um outro - que tente  novamente o liberalismo, que falhe novamente, mas que falhe melhor. Se não formos capazes de demonstrar que a natureza da acção deste governo, e que a natureza da catástrofe económica que dela resulta, é totalmente liberal, a falsificabilidade que o liberal Popper nos ensinou, e que é supostamente fundamental para a eficácia e sobrevivência da democracia, é só uma palavra que tive bastante dificuldade de encontrar no dicionário. 

A lógica dos argumentos da direita é, curiosamente, muito próxima daquela que os marxistas-leninistas usam para defender que o socialismo científico nunca foi testado na prática - pelo que não se pode  rejeitá-lo. A lógica é sempre a de que as ideias que defendem são tão boas que toda a gente - incluindo os derrotados - correm para abraçá-las. O terror de uma violência sem critério aparente e a acumulação de capital forçada pelo estado sobre o campesinato e sobre o próprio proletariado era uma condição fundamental para poder derrotar o feudalismo russo, a burguesia embrionária - e a horda de gente com dúvidas que, estranhamente, subsiste sempre em todo o lado, só para chatear.  

O argumento da  direita é o de que um governo realmente liberal não sobe impostos, por um lado, e faz um esforço de redução da despesa e das "gordurinhas" do estado, por outro. O que não podia ser mais falso. O liberalismo exige um estado disciplinador, burocrático e de longo alcance, que financie e suporte uma máquina repressiva sobre todos aqueles que atentem sobre o direito à propriedade privada entretanto acumulada. Sem tribunais preparados e eficientes, sem polícias numerosas e capacitadas, sem cadeias, sem fiscalização forte das fronteiras, sem um exército e uma diplomacia bem financiados que possam defender minimamente os interesses externos do país, sem recursos que permitam injetar desesperadamente liquidez na banca durante os períodos cíclicos de falta de liquidez - não há liberalismo. Os défices de Reagen, Thatcher e Bush são sintomáticos da natureza de estado gordo que está subjacente ao liberalismo. Um estado gordo exige impostos, e não se podendo financiar o estado apenas com impostos sobre os pobres, nem sobre os ricos -  em cuja acumulação de capital depende o liberalismo -, taxa-se a classe média - que é o verdadeiro elemento de suporte do liberalismo e que invariavelmente se vira contra o mesmo, provando a sua impossibilidade prática de implementação. O liberalismo não se desenvolve em abstrato - não se convence uma multidão de pessoas da bondade e naturalidade de uns poucos levarem quase tudo e a maioria ficar com pouco. O liberalismo. tal como o comunismo, desenvolve-se necessariamente com um elemento repressivo e que procure sempre o equilíbrio de algo que é cronicamente desequilibrado. Tudo isto custa dinheiro. 

Não há nenhum elemento de novidade em um governo liberal aumentar impostos e não reduzir a despesa - o que haveria de novo seria um governo liberal que não alterasse a composição da despesa, e isso, como se sabe pelos cortes na saúde e na educação, e no aumento da despesa para salvar a banca, está a ser feito.  

Vale a pena voltar a este tema repetidamente nos próximos tempos. Até para ajudar a rejeitar anedotas geniais como a do Ricardo de Araújo Pereira no Governo Sombra, que tenta demonstrar a pior natureza não só liberal, mas também socialista, de Vítor Gaspar, e que deixo abaixo:

"Havia uma anedota muito engraçada nos países socialistas que era: quais são as três vitórias dos países socialistas?  A educação, a saúde e o desporto. E quais as três derrotas? O pequeno almoço, o almoço e o jantar. Ora vítor gaspar tem seis derrotas, que são a educação, a saúde, o desporto, o pequeno almoço, o almoço e o jantar" 

Wednesday 3 October 2012

Roma e o amor

Tenho uma relação própria com o woody allen, que consiste em consumi-lo compulsivamente sem precisar de parar para coisas menores como o enredo. Os filmes são maratonas de metáforas a correr atrás dos corpos dos atores. Neste filme em particular adorei o modo como aquele ator famoso italiano representa (se faz passar por) um mero mortal que, sem motivos aparentes, se torna famoso de um dia para o outro - o ator que é famoso por representar (por se fazer passar por alguém) representa alguém que se torna famoso por ser ele próprio, na sua imensa banalidade. É a delícia que Shakespeare devia sentir quando metia um homem a representar uma mulher que se fazia passar por um homem, ou a delícia de uma cidade onde hoje as ruínas são mais populares do que eram os edifícios imperiais e eficientes de uma cidade que era e é eterna - e cíclica. A fama, e o amor, acontecem ambos nas suas próprias ruínas - na visibilidade aparente das estruturas que ficam depois de não terem aguentado o peso de tudo o resto (que desaparece para sempre do tempo). É preciso recordar que a única miúda gira no filme é a prostituta, a mulher que representa quem quer que seja e que dá amor às famílias ricas. A mulher que não aparecerá nas fotografias dos casais que se aguentaram porque ela lá esteve, incógnita, no meio, a satisfazer o patriarca. Tudo o resto é Roma e os seus turistas, ou woody allen e a sua audiência, em busca de um sentido para as suas ruínas. 

Monday 17 September 2012

Vénus e Marte

Reuters

(O Kundera é que dizia que as manifestações eram o exponente do Kitsch. A de ontem, ao contrário, foi Boticelli).

Tuesday 11 September 2012

Os amigos do Gaspar

O ministro da técnica disse hoje que o sacrifício seria distribuído de modo igual por toda a sociedade e eu lembrei-me da anedota da galinha que sugere ao porco prepararem um pequeno almoço para o amo.

- É fácil. Eu dou os ovos e tu dás o bacon.

Monday 10 September 2012

Fábulas


Esta afirmação tem subjacente uma crença fundamental sobre o funcionamento dos mercados: as transferências de rendimento entre o trabalho e o capital são boas para a economia. É exatamente isso que é dito: as medidas são neutras do ponto de vista da receita fiscal como um todo. No entanto, as medidas terão um impacte positivo na economia, porque, precisamente, o dinheiro nas mãos dos empresários é mais útil do que nas mãos dos trabalhadores.

Com dinheiro nas mãos, os empresários investem e a economia progride. É este o pecado original dos liberais, e que revela o modo como entendem a origem da economia capitalista. Esta leitura da história ignora por completo considerações sobre o papel das instituições, do estado, da violência e do poder. Neste mundo idílico, a economia é geração espontânea dos empresários, e os trabalhadores têm a sorte de beneficiar dela. Reconhecer o papel do consumo privado na economia é contrário a esta ideia, precisamente porque inverte a lógica liberal, que coloca o primado no investimento, do qual o consumo é apenas um by-product.

A transferência entre o capital e o trabalho, proposta pelo Governo Português, não é neutra nem tem um impacte positivo. O problema económico do país não é, intriscamente, o de uma insuficiente poupança. Existem recursos disponíveis, como se tem sabido. Os bancos têm financiamento barato e o consumo de carros de luxo não tem diminuído, o que indicia que existem rendimento na classe mais alta. O problema, como dizia, não é o de falta de poupança, mas falta de investimento. Esta diferença entre a poupança e o investimento é que determina que o produto continue a cair, até que as duas variáveis se igualem. A questão central, portanto, é a da falta de vontade de investir e assumir riscos, e a falta de vontade dos bancos emprestarem dinheiro. E esta falta de vontade prende-se, essencialmente, com a expectável contração do consumo que sucederá, essencialmente também, por causa das medidas do Governo.

Como M. Kalecki demonstrou, retirar rendimento da classe mais baixa (que consome mais) e entregá-la à classe mais alta (que poupa mais) tem efeitos negativos em momentos de recessão (ou seja, em momentos onde não se quer investir).

Ideologicamente, no entanto, é essencial manter a fábula de que o dinheiro nas mãos dos ricos multiplica-se generosamente e transborda para as mãos saciosas dos pobres.

Saturday 8 September 2012

Medidas de austeridade de hoje

Na prática, na substância - essa massa pegajosa - o que as medidas de hoje querem dizer é isto: continuam a tirar dois subsídios ao serviço público, e, no privado, aplica-se um imposto aos trabalhadores e entrega-se, oferece-se incondicionalmente, a respetiva receita fiscal - dinheiro dos contribuintes, a única forma assumida pelos humanos que agrada aos liberais - às empresas. Pequenas, grandes, lucrativas, não lucrativas, que mandam os rendimentos para fora, que deixam os rendimentos cá dentro. É uma transferência do capital para o trabalho à mão armada. 

Se a luta de classes morreu é porque já só resta um dos lados. 

Tuesday 19 June 2012

A política do vale

Passei na rua Braancamp por esta loja, que desconhecia. Parece que compram e vendem todo o tipo de objetos em segunda mão. Dizem, no anúncio colocado na montra, que o casamento é com o santo António, mas o divórcio é com eles. Não têm nada que ver com os momentos de alegria; mas estão lá para a desgraça. Não constroem nada, mas apanham os cacos - e lucram com eles. O Robert Frost dizia que os bancos te emprestam um chapéu de chuva quando está sol e to pedem de volta quando começa a chover. Estes tipos não te chegam sequer a emprestar um chapéu de chuva quando está sol: isso é lá com o santo António. Mas estarão à tua espera para te ficar com o chapéu de chuva quando estiver a chover. Não entendes, homem, que isto é um negócio como qualquer outro e que - segundo argumento, o argumento do vale (já explico) - se eles não existissem, isto era coisa para acabar bem pior? Pensemos bem nisto: se não existirem estes cashconverters, os tipos que percam o emprego e precisem de dinheiro desesperadamente não terão como fazê-lo. É objetivamente pior, não é? 

Na discussão sobre a dinâmica das guerras civis, um académico que muito admiro - o David Keen - demonstrou como, em alguns casos específicos, os mercados funcionaram particularmente bem durante os períodos de conflito e fome na África Subsariana. A segurança em torno dos mercados era, num aparente paradoxo, muito mais garantida em períodos de conflito e miséria do que em períodos de paz - e a quantidade de transações (a que os economistas chamam a "profundidade do mercado") era, também, muito superior. As pessoas vendiam todos os ativos que tinham - gado, terra, trabalho - a troco de pouco, para que pudessem comprar comida. Isto é bom, não é? Se não houvesse mercados, o que é que eles comiam? 

E é isto que chamo o argumento do vale: estamos rodeados por montanhas, e se ficares aqui sossegado no vale, objetivamente vais ficar melhor. E é verdade. Não te cansas. A política do vale é excelente a dizer-nos o que seria que acontecia se não existisse coisa x: se não houvessem cashconverters, os pobres não teriam possibilidade de ganhar dinheiro vendendo as suas coisas. A política do vale é excelente a dizer-nos o que seria, mas é péssima a dizer o que devia ser. A discussão sobre o que devia ser, no entanto, chama-se ética, e os humanos durante séculos costumavam querer entrar nela. O que é correto? O que é justo? O que é que está para além destas montanhas? Porque é que os mercados em período de conflito são tão seguros e tão "profundos"?  Porque é que há conflitos, em primeiro lugar, e porque é que permitem a um punhado de gente enriquecer? Porque é que a Alemanha conhece períodos tão profundos de prosperidade, no meio do caos financeiro da periferia? É correto que haja gente que beneficia da desgraça alheia? A política do vale é, em boa parte, a legitimação necessária para o fim das discussões éticas. A melhor forma de manipulação: aquela que, depois de te colocar num vale, te pergunta se não ficarás pior se andares para aí a tentar subir montanhas.

Thursday 12 April 2012

A linguagem e o amor



Os monumentos da civilização são também os monumentos da barbárie. Lembrei-me de Benjamin quando encontrei esta porta pequena e despojada que dá acesso à cave do palácio de sintra. Os monumentos da civilização são também os monumentos da barbárie, e a porta pequena da criadagem, simultaneamente necessária e excedente, foi construída por outros trabalhadores de base - os construtores do palácio construiram também os meios de inferiorização da sua própria classe. Não foi D. João I que fez o palácio e aquela porta expõe obscenamente a relação de poder que vive na linguagem típica de turistas.

Todos os monumentos da civilização são os monumentos da barbárie, e isso é verdade para toda a civilização, e para toda a barbárie. A grandiosidade tem, por assim dizer, uma porta pequena e despojada por onde quem os constrói pode entrar e esconder-se lá dentro. A obscenidade está em exibir a porta, não em passá-la. Passá-la é uma necessidade.

Friday 9 March 2012

It's the economy, stupid?

Há muito que não escrevo aqui, mas que melhor assunto para voltar do que economia? Pois.

O problema da economia, diria chesterton, não é ser irrazoável, é ser quase razoável. Ou seja, muitas vezes não são as respostas em economia que estão erradas - essas quase sempre são excelentes, e às vezes até fazem sentido -, mas sim as perguntas. Toda a resposta é brilhante, a pergunta é que é estúpida.

Uma jornalista coloca como lead numa notícia do Público sobre crise alimentar a seguinte pergunta: como produzir mais e desperdiçar menos? As respostas são todas razoáveis e correctas (deixem os países pobres produzir porque é mais barato, retirem as barreiras ao comércio, liberalizem os preços, deixem-se de peneirices com os transgénicos). Mas a pergunta não é. As crises alimentares nunca se dão por falta de comida, mas por falta de acesso à comida. Dah. Sim, mas deu um nobel. Há quase quinze anos o Amartya Sen ganhou-o por demonstrar que as crises alimentares aparecem quando as pessoas deixam de conseguir comprá-la ou colhê-la, ou seja, quando os seus salários, activos e produção própria não são suficientes para obter uma quantidade de comida suficiente. Por exemplo, as crises alimentares no Bangladesh no início dos anos 70 foram precedidas por aumentos record da produção de arroz. Em simultâneo, deram-se cheias em alguns meses do verão que reduziram a criação de emprego, o que reduziu os salários médios a ponto de estes já não serem suficientes para comprar comida. Mais tarde, uma economista, que não ganhou o nobel, explicou porque é que as pessoas não conseguiam comprar comida (que é a parte mais interessante), mostrando que as crises alimentares são processos longos - demoram muitos anos e consistem precisamente na redução progressiva dos preços dos activos e dos salários reais e consequente vulnerabilização - e tem associados beneficiados/derrotados. Os activos que são vendidos à pressa para poder comer são comprados por alguém a preços excepcionalmente baixos; consegue-se trabalho barato; etc. Tudo parece razoável: se nem todos comem é porque não há comida para todos. Mas a questão não é "porque é que não há comida para todos?", mas "porque é que há comida para alguns?"

E eis outra resposta razoável com uma pergunta estúpida: Paulo Teixeira Pinto disse que nunca como agora o dinheiro teve tanto poder. O dinheiro comprava poder, mas não era o poder. A pergunta estúpida é: o dinheiro compra poder? O dinheiro não compra poder, o dinheiro é poder. Claro que o dinheiro pode comprar poder: mas só porque já é poder. Ou antes: é verdade que o dinheiro compra poder, porque o dinheiro tem a função de facilitar as compras, e uma das coisas que se podem comprar é o poder. Mas o dinheiro não permite apenas facilitar as compras: o dinheiro é uma reserva de valor, e essa reserva de valor permite acumular poder. O dinheiro é trocado por poder apenas porque é poder (ninguém troca algo por outra coisa que valha menos).