Tenho uma relação própria com o woody allen, que consiste em consumi-lo compulsivamente sem precisar de parar para coisas menores como o enredo. Os filmes são maratonas de metáforas a correr atrás dos corpos dos atores. Neste filme em particular adorei o modo como aquele ator famoso italiano representa (se faz passar por) um mero mortal que, sem motivos aparentes, se torna famoso de um dia para o outro - o ator que é famoso por representar (por se fazer passar por alguém) representa alguém que se torna famoso por ser ele próprio, na sua imensa banalidade. É a delícia que Shakespeare devia sentir quando metia um homem a representar uma mulher que se fazia passar por um homem, ou a delícia de uma cidade onde hoje as ruínas são mais populares do que eram os edifícios imperiais e eficientes de uma cidade que era e é eterna - e cíclica. A fama, e o amor, acontecem ambos nas suas próprias ruínas - na visibilidade aparente das estruturas que ficam depois de não terem aguentado o peso de tudo o resto (que desaparece para sempre do tempo). É preciso recordar que a única miúda gira no filme é a prostituta, a mulher que representa quem quer que seja e que dá amor às famílias ricas. A mulher que não aparecerá nas fotografias dos casais que se aguentaram porque ela lá esteve, incógnita, no meio, a satisfazer o patriarca. Tudo o resto é Roma e os seus turistas, ou woody allen e a sua audiência, em busca de um sentido para as suas ruínas.