Passei na rua Braancamp por esta loja, que desconhecia. Parece que compram e vendem todo o tipo de objetos em segunda mão. Dizem, no anúncio colocado na montra, que o casamento é com o santo António, mas o divórcio é com eles. Não têm nada que ver com os momentos de alegria; mas estão lá para a desgraça. Não constroem nada, mas apanham os cacos - e lucram com eles. O Robert Frost dizia que os bancos te emprestam um chapéu de chuva quando está sol e to pedem de volta quando começa a chover. Estes tipos não te chegam sequer a emprestar um chapéu de chuva quando está sol: isso é lá com o santo António. Mas estarão à tua espera para te ficar com o chapéu de chuva quando estiver a chover. Não entendes, homem, que isto é um negócio como qualquer outro e que - segundo argumento, o argumento do vale (já explico) - se eles não existissem, isto era coisa para acabar bem pior? Pensemos bem nisto: se não existirem estes cashconverters, os tipos que percam o emprego e precisem de dinheiro desesperadamente não terão como fazê-lo. É objetivamente pior, não é?
Na discussão sobre a dinâmica das guerras civis, um académico que muito admiro - o David Keen - demonstrou como, em alguns casos específicos, os mercados funcionaram particularmente bem durante os períodos de conflito e fome na África Subsariana. A segurança em torno dos mercados era, num aparente paradoxo, muito mais garantida em períodos de conflito e miséria do que em períodos de paz - e a quantidade de transações (a que os economistas chamam a "profundidade do mercado") era, também, muito superior. As pessoas vendiam todos os ativos que tinham - gado, terra, trabalho - a troco de pouco, para que pudessem comprar comida. Isto é bom, não é? Se não houvesse mercados, o que é que eles comiam?
E é isto que chamo o argumento do vale: estamos rodeados por montanhas, e se ficares aqui sossegado no vale, objetivamente vais ficar melhor. E é verdade. Não te cansas. A política do vale é excelente a dizer-nos o que seria que acontecia se não existisse coisa x: se não houvessem cashconverters, os pobres não teriam possibilidade de ganhar dinheiro vendendo as suas coisas. A política do vale é excelente a dizer-nos o que seria, mas é péssima a dizer o que devia ser. A discussão sobre o que devia ser, no entanto, chama-se ética, e os humanos durante séculos costumavam querer entrar nela. O que é correto? O que é justo? O que é que está para além destas montanhas? Porque é que os mercados em período de conflito são tão seguros e tão "profundos"? Porque é que há conflitos, em primeiro lugar, e porque é que permitem a um punhado de gente enriquecer? Porque é que a Alemanha conhece períodos tão profundos de prosperidade, no meio do caos financeiro da periferia? É correto que haja gente que beneficia da desgraça alheia? A política do vale é, em boa parte, a legitimação necessária para o fim das discussões éticas. A melhor forma de manipulação: aquela que, depois de te colocar num vale, te pergunta se não ficarás pior se andares para aí a tentar subir montanhas.