É particularmente educativa a forma como o economist hoje aborda as recentes convulsões sociais em Espanha - e a ausência destas em Itália. Quando a noção de sociedade ou de um grupo desaparece, diluída na mera soma dos indivíduos que fazem parte destes, surge uma divertida dificuldade em explicar de modo convincente qualquer revolta social. Não havendo tal coisa como sociedade, ou classes, e havendo apenas indivíduos com interesses particulares, é certo que a única razão que resta para a revolta dos jovens em Espanha é estarem contra o egoísmo dos indivíduos empregados - esse grupo que, em interesse próprio, quer garantir direitos que só desincentivam que os empregadores vão contratar novos trabalhadores. E tudo para nem sequer considerar a hipótese de que todos - empregados e desempregados - querem emprego e direitos, contra quem os quer privar de um, de outro, ou de ambos.
Thursday, 26 May 2011
Tuesday, 24 May 2011
Monday, 23 May 2011
Clarividência
Terminei o meu último post com a tentativa de explicar o porquê de haver tanta gente que envida tamanhos esforços a professar a inevitabilidade da renegociação, acreditando, ainda por cima, que as medidas de austeridade irão fomentar a economia.
Esta ilusão de um jogo de soma nula - a ideia de que se recuarmos o estado, mais e melhores recursos fluirão livremente para os privados criarem empregos e produzirem mais - está particularmente clarividente no artigo de hoje no nytimes do Krugman. Nasce de um preconceito ideológico, que é alicerçado em má economia - ainda que seja a economia que se ensina na maioria das faculdades.
Thursday, 19 May 2011
Os elefantes rosa
O problema lógico de que falo no post abaixo é uma pequena racha numa narrativa, construída com base numa linguagem e numa simbologia pouco sortida e muito superficial, e que serve para envolver a manada de elefantes rosa que habita a pequena sala de estar da nossa economia. Claro que essa linguagem não fecha bem, e deixa ver pelas rachas que os elefantes estão lá. Um dos símbolos mais utilizados nesta narrativa é a de que o problema do default é um problema ideológico: de um lado temos partidos que não querem honrar uma dívida gerada numa economia centrada no mercado, do outro temos partidos que querem entregar o dinheiro aos malvados dos banqueiros, sacrificando os mais pobres.
Mas o elefante do default não é uma criação ideológica - a ideologia só o está a tapar. Sem me preocupar com a questão ideológica dos partidos - que, na verdade, nem será tanto ideológica como estratégica -, interessa-me mais a falha na lógica económica que está na raíz de se acreditar que o default será resolvido com as medidas de austeridade: acredita-se que se se reduzir a despesa do estado, vai sobrar mais dinheiro para pagar a dívida. Esta ideia até parece algébrica: gasta-se menos, tem-se mais dinheiro para se pagar o que se deve. Mas não é algébrica, é apenas ideológica: menos despesa por parte do Estado gera uma menor receita por parte do outro vaso comunicante - os privados. Como Keynes demonstrou, se todos quiserem poupar ao mesmo tempo - privados e público - na verdade ninguém consegue poupar mais, a riqueza cai e a possibilidade de pagar o que se deve diminui. A posição merante ideológica tem raíz na ideia que o estado opera numa lógica de jogo de soma nula, onde absorve os recursos que poderiam estar nos privados - não gerando nenhum valor em si mesmo.
Álgebra
Parece-me que há aqui uma deficiência lógica. Paulo Portas no debate com Francisco Louçã repete algo que, em boa verdade, nem é argumento só dele: ao Portugal declarar que não paga a totalidade da dívida precipitar-se-ia a saída do euro; a saída do euro reduziria a metade o valor dos rendimentos dos portugueses e, em simultâneo, elevaria ao dobro a dívida portuguesa. Se não pagamos a totalidade da dívida, naturalmente não podemos ficar a dever o dobro (assumindo uma desvalorização de 50%). Se não pagarmos metade, por exemplo, ficaremos a dever o mesmo. A menos que estejamos a pensar apenas na dívida pública - mas por que razão não havia de haver renegociação da dívida privada?
Wednesday, 18 May 2011
A economia libidinosa
Mais importante que a tara de que nos empresta dinheiro, é o sado-masoquismo: começa por se magoar quem se excedeu, para que não tire gozo disso - e deixe de voltar a ter vontade de o fazer; isso põe-no de rastos, submisso; incapaz de continuar a aguentar o sofrimento infligido; deixa de poder comprar produtos de fora; deixa de poder pagar o que deve; sofre mais; não paga; não compra; faz sofrer a Alemanha. O princípio da realidade irá magoar o euro e a economia alemã.
Saturday, 14 May 2011
Homens práticos
Ouvi Medina Carreira dizer ao Goucha na tvi 24 que preferia ter uma dona de casa a governar as Finanças do país. Era nisto que Keynes pensava quando dizia que os homens práticos, que pensam que estão isentos de qualquer influência intelectual, são geralmente os escravos de algum economista defunto (se ajudar a perceber, Keynes não acreditava na existência de economistas na acepção moderna do termo, apenas de economistas políticos). A ideia que governar uma casa é o mesmo que governar um país encerra em si mesma uma opção ideológica vincada, e em si mesma uma concepção sobre a natureza do desenvolvimento económico como um processo que acontece naturalmente quando o estado é pequeno, controlado, pouco capaz: uma economia de uma casa asseada e gerida por uma dona de casa através de uma mesada do chefe de família.
Parece-me claro que ele é muito bom homem, e cheio de boa vontade. Simplesmente não é a minha vontade - que pessoalmente também acho boa. Não estou a acusá-lo de escolher a política, estou a acusar a política de escolher toda a gente e de tornar isto tudo muito mais complicado do que o manual do aspirador.
Tuesday, 10 May 2011
Sunday, 8 May 2011
A direita pública
O PSD quer cinco saídas para uma entrada na função pública. Esta história da relação entre o emprego público e a direita mostra dois paradoxos curiosos. Em primeiro lugar, a direita, patriótica, ignora uma das principais razões que explicam o facto de o trabalho na função pública ter vindo progressivamente a tornar-se menos interessante, menos útil e menos eficaz em moldar as políticas públicas: Bruxelas. Ignora ou prefere ignorar. Em segundo lugar, a direita não quer menos funcionários públicos ou menos gastos públicos, quer apenas trocar a sua composição: quer mais polícias, mais juízes, mais militares, mais submarinos, mais vouchers para pagar escolas privadas e hospitais privados que custam, como se sabe, bastante mais do que os equivalentes públicos.
Thursday, 5 May 2011
Do ser e do ter
É curioso o papel que as fotografias tiveram no evento da morte de bin Laden, um símbolo que eu acho pouco competente para a guerra ao terror. A morte está em particular marcada por três fotografias:
A primeira, cuidada, estudada, seleccionada entre várias, foi tirada na cave da casa branca, e mostra o Presidente, a Secretária de Estado e os principais conselheiros militares e políticos com semblante pesado, observando o movimento da morte que era filmada por câmeras instaladas nos capacetes dos militares e que era reproduzida num ecrã que não aparece na foto. As pessoas mais poderosas do mundo acompanham, num momento estático, a evolução da acção de militares altamente qualificados e anónimos, dos quais exclusivamente dependia o sucesso da acçao. É para este movimento que eles se voltam, como que magneticamente.
A segunda foto foi colocada a circular poucos minutos depois da morte de bin Laden, e era falsa, forjada por amadores alguns anos antes, a partir de uma ferramenta popular, o photoshop. Durante algum tempo, e enquanto se acreditava que a foto fora disponibilizada pelo próprio governo americano, ela serviu para alimentar teorias da conspiração - para os espectadores, nós todos, foi a primeira e talvez única vez en que tivemos acção, neste caso reacção, errada, que fez a alguns questionar se bin Laden teria sido realmente morto. Foi.
A terceira foto, a verdadeira fotografia de bin Laden morto, e após dois dias de discussão interna sobre se deveria ser disponibilizada, decidiu-se não o fazer. E não se fez porque a sua disponibilização poderia gerar uma acção violenta por parte da al Qaeda.
Esta história das fotos faz-me lembrar a minha última aula de italiano, onde o nosso professor nos explicou que o passado próximo forma-se utilizando um de dois verbos auxiliares: o verbo essere (ser) ou avere (ter). O verbo essere é apropriado para as situações dinâmicas, em que houve um processo, com princípio, meio e fim, e onde se mudou de estado: o passado do verbo uscire (sair), porque implica uma mudança de estado - entre estar e deixar de estar num sítio qualquer -, é conjugado com o verbo essere (sono uscito). O verbo avere, ao invés, usa-se com momentos isolados no tempo: o verbo dormire (dormir) conjuga-se com o verbo avere (ho dormito).
A morte de bin Laden é um verbo de ter, e não de ser.
Monday, 2 May 2011
bin Laden e a guerra ao terror
Será importante enquadrar a morte de bin Laden, anunciada hoje, no contexto simultaneamente mais e menos abrangente da "guerra ao terror". Esta "guerra" (doravante guerra) começou com um ataque terrorista suicida, organizado por uma célula totalmente autónoma e descentralizada, que vaporizou qualquer vestígio de um inimigo. Havendo necessidade política de retaliação, tornou-se fundamental nomear um. A escolha no entanto não foi óbvia, nem se enquadrou numa lógica suficientemente sólida mesmo para o próprio povo americano: 15 dos 19 terroristas que atacaram as torres gémeas eram originários da Arábia Saudita, um estado forte que formou e forma ideólogos extremistas, mas não foi a Arábia Saudita que foi atacada pelos Estados Unidos, tendo-se optado antes pelo Afeganistão, primeiro, e depois pelo Iraque. Estes países no entanto partilham dois problemas sérios: nenhum deles, e especialmente o segundo, tem uma relação evidente e completa com os homens que atacaram as torres gémeas. Adicionalmente, em nenhum deles sucedeu uma uma vitória militar rápida e inequívoca, que ajudasse a esquecer essa ausência de ligação completa. O símbolo de bin Laden foi assim tornando-se um fetiche com poder agregador e legitimante para a guerra ao terror.
É por isto que penso que a morte de bin Laden é simultaneamente maior e menor que a guerra ao terror, sem nunca se confundir exactamente: é maior porque bin Laden tornou-se um símbolo fundamental, possivelmente o único que sobrou simultaneamente à guerra ao terror e ao ataque terrorista às torres gémeas, e, mais importante, o único que podia efectivamente ser vencido. A definição e sucesso da guerra ao terror tornou-se dependente de bin Laden; mas bin Laden também é menor, muito menor do que a guerra ao terror, que incluiu a invasão de estados soberanos onde morreram milhões de pessoas, produzindo efeitos que são ainda imprevisíveis numa geografia vasta e importante para a segurança do globo, alterando relações e equilíbrios de poder, privilegiando interesses, forçando novas definições étnicas e de inimigos regionais, num contexto onde entretanto a China, a Rússia, o Brasil, emergiram como super-potências.
Mas bin Laden não é exactamente a guerra ao terror, por menos que isso se vá tornar claro nos próximos meses. E não será claro por isto: como alguns vultos pouco recomendáveis da história do século XX professaram, a vitória - qualquer que seja, e sob que pressupostos for - tende a legitimar os vencedores. E a história dos vencedores americanos é simples: um dia nós dissemos que iamos matar bin Laden, e conseguimo-lo. Num mundo minado pela incerteza, alguma dela criada e reforçada com a guerra ao terror, alguém que consegue realizar o que promete potencia uma falsa sensação de segurança que conferirá lógica e um poder quase fetichista a uma boa parte daquilo que os americanos já fizeram e vão fazer a nível de política externa, confundido subitamente bin Laden, e a sua morte, com um momento de uma longa marcha por uma vitória legítima. Sobre o quê? Ainda vamos ver.
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