E eis que um economista que se diz ser keynesiano lembrou-se da política monetária. O Sr. Presidente da República defende que o euro deve enfraquecer (perante o dólar americano, presume-se), para, tornando as exportações dos países europeus mais baratas, fomentar o crescimento económico destes países. É bom de ver que esta posição pública por parte de um chefe de estado europeu, que saúdo, entra em directo conflito com o disposto no Tratado de Maastricht, que o actual Presidente da República assinou em 1992, enquanto Primeiro Ministro de Portugal. Este Tratado, que é um trabalho seminal em matéria de ortodoxia monetária, coloca no pedestal (enshrines) o estatuto de independência do Banco Central Europeu, como garantia de que a futura área do euro beneficiaria de uma estabilidade de preços, conforme pode ser lido num discurso transcrito no próprio site do banco. Independência, para quem teve a sorte de não ter passado quatro anos em bancos de escolas de economia, quer dizer independência do poder político, ou seja, o Conselho de Administração do banco tem de ser imune às vontades dos decisores políticos europeus, respondendo apenas perante critérios técnicos pré-definidos. No caso do BCE, o critério pré-definido é apenas um, ou seja, a estabilidade dos preços, acreditando-se que a política monetária não deve tentar fomentar o crescimento económico, porque tal degeneraria apenas em inflação.
Estou certo que esta revisão doutrinária representa a queda de um anjo do pedestal da ortodoxia económica, o que levará a um questionamento por parte da profissão sobre as vantagens desta mesma "independência" - quase sempre, a independência de uma instituição perante o estado geralmente aumenta a sua dependência perante interesses privados, e esta parte geralmente esquecem de ensinar.
Finalmente, e reiterando que saúdo o que o Sr. Presidente disse publicamente, considero que a questão da força do euro é apenas parte do problema, escondendo, na verdade, outra questão que julgo pelo menos tão relevante. Cerca de 75% do valor das exportações portuguesas tem como origem países da União Europeia. Não sei exactamente qual a proporção que tem como origem os países que aderiram ao euro, mas presumo que seja muito próxima desses 75%. Uma desvalorização do euro beneficiaria, portanto, 25% das exportações portuguesas. Se imaginarmos que uma desvalorização de 20% do euro aumentaria as exportações portuguesas para fora da Europa em 20%, então estas exportações passariam de 25% para 30% do total. Isto não teria um impacto significativo. O problema da periferia europeia é em boa parte um problema de dumping salarial por parte da Alemanha, como defendi aqui. Este dumping implica que o "escudo" está sobrevalorizado perante o "marco", e aí sim, parece-me, reside boa parte da chave do problema. Que se resolve com a outra "perna" da política Keynesiana, ou seja, uma política orçamental (e industrial) forte por parte dos estados europeus que, no contexto de uma moeda única, é a política monetária mais séria que temos.