O Governo Alemão propõe uma descida de cerca de 10 mil milhões de euros em impostos para as classes de rendimentos média e baixa. Esta medida pode assemelhar-se, à vista desatenta, como um estímulo à procura - e não me custa acreditar que será assim apresentada. Temos uma situação de crise económica em alguns dos países para os quais a Alemanha exporta, e é necessário estimular a procura doméstica para continuar a garantir níveis elevados de procura agregada.
Mas se a medida é genuinamente do lado da procura, porque é que ela não é feita através da política monetária, ou seja, porque é que o Banco Central Europeu não imprime mais dinheiro, em vez de andar a anunciar que pretende subir a taxa de juro de refinanciamento, em face à sua preocupação com os níveis dos preços registados na zona euro (leia-se, Alemanha)? Afinal, iria beneficiar todos os países, incluindo, e especialmente, os países periféricos.
Esta medida não é do lado da procura, é antes um complemento lógico a uma estratégia centrada na oferta e que tem gerado tão bons frutos. A Alemanha, desde a criação no euro, e com o apoio explícito dos sindicatos, tem sistematicamente restringido as subidas nos salários dos seus trabalhadores, mesmo em face a ganhos importantes de produtividade. O gráfico abaixo mostra a evolução, por um lado, dos custos unitários do trabalho, e, por outro, da produtividade (medida em PIB per capita). Ambas as variáveis assumem valores nominais, com base (100) em 2001.
Fonte: Eurostat
Como é visível, os salários (linha azul) não têm acompanhado os ganhos de produtividade (linha vermelha). Esta é a principal explicação para os excedentes na balança comercial registados pela Alemanha, que têm, como identidade contabilística, espelho em parte dos défices crónicos e na subsequente dívida dos países periféricos da zona do euro. O sucesso comercial da Alemanha foi conseguido em boa parte com base no sacrifício dos trabalhadores alemães, cuja contribuição para o aumento da produção nacional não foi devidamente compensada. Este sacrifício, que foi aceite, está a ser finalmente compensado através de uma redução nos impostos pagos pela classe baixa e média. A estratégia é assim simples: Primeiro cria-se uma união monetária, impedindo os países que comercializam com a Alemanha de desvalorizar as suas moedas, o que tornaria os produtos alemães relativamente mais caro e, portanto, menos apetecíveis. Depois reduzem-se os custos de produção na Alemanha, numa estratégia alinhada com os sindicatos, severamente restringindo a capacidade competitiva dos países com os quais concorre. Depois devolve-se o dinheiro aos trabalhadores, que apoiaram esta opção. A estratégia pode ser inteligente, mas foi longe demais, e a Alemanha poderá ser vítima do seu próprio sucesso, caso o euro colapse e a dívida (que, repita-se, é o outro lado do espelho dos défices comerciais, pelo que as duas realidades são absolutamente indissociáveis) não seja paga na sua totalidade.
Para efeito comparativo, veja-se no gráfico abaixo como os salários em Portugal têm crescido ao nível da produtividade.
Fonte: Eurostat