Saturday, 2 July 2011

Impostos e outras touradas

O imposto de 50% sobre a componente acima do ordenado mínimo do 14º mês dos portugueses parece que gerará aos cofres do estado 800 milhões de euros. Ora a redução em quatro pontos percentuais da Taxa Social Única (TSU) parece que poderá gerar uma redução na receita do estado de 1600 milhões de euros - ou seja, o dobro. Quando se diz que esta solução fiscal é de último recurso, diz-se pouco. Esta solução é de último recurso porque há outra solução que não tem recurso: a de reduzir a contribuição dos patrões para a segurança social dos seus empregados. Ninguém a questiona, e aparentemente ninguém se lembra dela quando se fala no aumento de impostos sobre o trabalho.

Na verdade, e apenas para que os empregadores recebam 1600 milhões de euros, os portugueses pagam 800 milhões este ano, e pagarão os outros 800 milhões mais à frente - por enquanto, este valor vai acumulando na dívida pública, que já anda bem cheiinha. Esta é uma opção política que significa objectivamente uma transferência de rendimento entre o trabalho e o capital. Não se trata de uma opção por aumentar a receita e reduzir a despesa, controlando o défice público, porque o aumento de impostos é totalmente anulado (ficando ainda aquém) pela diminuição na receita que é originada com a redução na TSU.

Esta medida política é a demissão de qualquer análise económica séria sobre a natureza do problema que enfrentamos: num momento em que o desemprego se ultrapassa a si mesmo, e a economia entra em recessão, retira-se dinheiro de quem o gasta mais e pode revitalizar a economia, e dá-se a quem ou não vai gastar o dinheiro, poupando-o, ou, se o fizer, será em bens de luxo importados. É a velha questão das propensões marginais ao consumo e do multiplicador de Keynes, particularmente bem explanado por Michal Kalecki, e para que não percebeu nada do que eu disse desde o último ponto final, não está sozinho, neste governo também ninguém percebe.

Um governo que leva a cabo uma transferência desta magnitude apenas com a ténue esperança de que as empresas serão mais produtivas e venderão produtos a preços mais baixos, quando aliás toda a experiência foi que ganhos em produtividade (eufemismo em Portugal para pagar menos aos empregados) não têm tido qualquer efeito ao nível dos preços que se praticam, significa ideologia à solta. Cuidado.