Segundo o DE, o BCP vai oferecer um desconto aos seus clientes que queiram pagar antecipadamente a totalidade do seu crédito à habitação. Esta, à partida, é uma medida sensata: obtém liquidez e aumenta o rácio de solvabilidade do banco. Mas não é. É apenas desespero. Como os clientes capazes de antecipar as suas dívidas são os mais solventes, o BCP ficará assim com uma pool de clientes com menor probabilidade de pagar, ou seja, o capital que o BCP pode esperar obter dos seus actuais devedores irá diminuir - enquanto o juro médio, que inclui os spreads contratualizados, irá subir. O BCP obtém assim liquidez a curto prazo, mas com uma "taxa de juro" altíssima a longo prazo - o longo prazo onde talvez esta administração já lá não esteja, e onde decerto o oxigénio do BCE não estará. Esta é a cofidização do BCP.
Sunday, 24 July 2011
A economia anorética
O governo de coligação britânico lembra-me uma anorética que, olhando-se no espelho, lamenta-se: "estou mesmo gorda, não estou?"
Depois de uma dieta de fúria, levando a cortes na despesa e no emprego público absolutamente draconianos, em face a níveis de despesa e dívida públicas perfeitamente limitados em comparação com a realidade europeia e ocidental, a economia britânica encontra os primeiros sinais de uma anemia galopante. A surpresa com que os sintomas têm sido recebidos pelo ministro das finanças assemelha-se às linhas do Guardian de ontem, que diziam que ainda estava por esclarecer a causa da morte de Amy Winehouse.
Tuesday, 19 July 2011
Política
Tive hoje o prazer de assistir na Almedina ao lançamento do "Portugal e a Europa em crise", um livro organizado pelo João Rodrigues e pelo José Reis que colige vários artigos escritos por boa gente no Monde Diplomatique nos últimos três anos.
O João Cravinho foi convidado e falou da crise em termos que me pareceram geralmente acertados, com uma excepção. Disse que não considerava que o euro fosse um problema válido para Portugal, porque, no seu entender, a desvalorização monetária é apenas uma droga que cria dependência crescente e não resolve problema nenhum. Rematou qualquer coisa como nenhum país ter conseguido usar eficazmente o câmbio para obter ganhos a longo prazo. Em vez do euro, apontou a globalização e a emergência da China industrial, com os famosos custos unitários de trabalho muito baixos, como o fenómeno que justifica boa parte da crise actual em Portugal. Ora estas duas ideias parecem-me uma contradição em termos. A emergência de uma China industrial é objectivo activamente perseguido através de uma política cambial extremamente agressiva, que consiste em manter o yuan subvalorizado. Não só existem países que claramente conseguiram utilizar a política cambial em proveito próprio, como não se pode qualificar objectivamente os salários de baixos sem se perceber que são baixos também por serem medidos em euros ou em dólares, mantidos artificialmente caros.
É preciso perceber que a política cambial é apenas outro nome para política monetária, e que monetária é apenas um adjectivo para Política.
Monday, 18 July 2011
Saturday, 16 July 2011
Queda de um Anjo
E eis que um economista que se diz ser keynesiano lembrou-se da política monetária. O Sr. Presidente da República defende que o euro deve enfraquecer (perante o dólar americano, presume-se), para, tornando as exportações dos países europeus mais baratas, fomentar o crescimento económico destes países. É bom de ver que esta posição pública por parte de um chefe de estado europeu, que saúdo, entra em directo conflito com o disposto no Tratado de Maastricht, que o actual Presidente da República assinou em 1992, enquanto Primeiro Ministro de Portugal. Este Tratado, que é um trabalho seminal em matéria de ortodoxia monetária, coloca no pedestal (enshrines) o estatuto de independência do Banco Central Europeu, como garantia de que a futura área do euro beneficiaria de uma estabilidade de preços, conforme pode ser lido num discurso transcrito no próprio site do banco. Independência, para quem teve a sorte de não ter passado quatro anos em bancos de escolas de economia, quer dizer independência do poder político, ou seja, o Conselho de Administração do banco tem de ser imune às vontades dos decisores políticos europeus, respondendo apenas perante critérios técnicos pré-definidos. No caso do BCE, o critério pré-definido é apenas um, ou seja, a estabilidade dos preços, acreditando-se que a política monetária não deve tentar fomentar o crescimento económico, porque tal degeneraria apenas em inflação.
Estou certo que esta revisão doutrinária representa a queda de um anjo do pedestal da ortodoxia económica, o que levará a um questionamento por parte da profissão sobre as vantagens desta mesma "independência" - quase sempre, a independência de uma instituição perante o estado geralmente aumenta a sua dependência perante interesses privados, e esta parte geralmente esquecem de ensinar.
Finalmente, e reiterando que saúdo o que o Sr. Presidente disse publicamente, considero que a questão da força do euro é apenas parte do problema, escondendo, na verdade, outra questão que julgo pelo menos tão relevante. Cerca de 75% do valor das exportações portuguesas tem como origem países da União Europeia. Não sei exactamente qual a proporção que tem como origem os países que aderiram ao euro, mas presumo que seja muito próxima desses 75%. Uma desvalorização do euro beneficiaria, portanto, 25% das exportações portuguesas. Se imaginarmos que uma desvalorização de 20% do euro aumentaria as exportações portuguesas para fora da Europa em 20%, então estas exportações passariam de 25% para 30% do total. Isto não teria um impacto significativo. O problema da periferia europeia é em boa parte um problema de dumping salarial por parte da Alemanha, como defendi aqui. Este dumping implica que o "escudo" está sobrevalorizado perante o "marco", e aí sim, parece-me, reside boa parte da chave do problema. Que se resolve com a outra "perna" da política Keynesiana, ou seja, uma política orçamental (e industrial) forte por parte dos estados europeus que, no contexto de uma moeda única, é a política monetária mais séria que temos.
Thursday, 14 July 2011
Tuesday, 12 July 2011
Friday, 8 July 2011
Continuo sem entender
O Luís Fazenda está na SIC Notícias a insurgir-se contra o downgrade do rating da dívida portuguesa por parte da Moody's. Continuo sem perceber. Um partido que considera o default inevitável pode criticar uma agência por o dizer?
Thursday, 7 July 2011
Dificuldade conceptual
Encontro alguma dificuldade em conciliar uma crítica às agências de rating e uma crítica à política económica conservadora que é adoptada pelo governo português, e aplaudida pela europa. Se a redução na despesa e a imposição de medidas de austeridade diminuem a probabilidade dos países periféricos pagarem a sua dívida, como acredito ser auto-evidente, então as agências de rating terão alguma razão em considerar que a possibilidade de Portugal entrar em default aumentou consideravelmente - mesmo que não sejam essas as razões que apresentam.
Desemprego e Dumping
O gráfico acima, publicado anteontem pelo economist, mostra como a Alemanha foi o único país europeu onde o desemprego na população jovem entre os 15 e os 24 anos diminuiu nos últimos três anos. É uma ilustração das consequências práticas de uma política de dumping industrial que a Alemanha tem seguido desde a entrada em funcionamento do euro, e que tem contribuído para a desvalorização monetária real na Alemanha e que está, junto com outros factores, na base da crise do euro. A redução no desemprego jovem na Alemanha é espelho do aumento do desemprego jovem nos países periféricos, tal como a redução nos salários reais dos trabalhadores alemães é espelho dos défices destes países.
Saturday, 2 July 2011
Impostos e outras touradas
O imposto de 50% sobre a componente acima do ordenado mínimo do 14º mês dos portugueses parece que gerará aos cofres do estado 800 milhões de euros. Ora a redução em quatro pontos percentuais da Taxa Social Única (TSU) parece que poderá gerar uma redução na receita do estado de 1600 milhões de euros - ou seja, o dobro. Quando se diz que esta solução fiscal é de último recurso, diz-se pouco. Esta solução é de último recurso porque há outra solução que não tem recurso: a de reduzir a contribuição dos patrões para a segurança social dos seus empregados. Ninguém a questiona, e aparentemente ninguém se lembra dela quando se fala no aumento de impostos sobre o trabalho.
Na verdade, e apenas para que os empregadores recebam 1600 milhões de euros, os portugueses pagam 800 milhões este ano, e pagarão os outros 800 milhões mais à frente - por enquanto, este valor vai acumulando na dívida pública, que já anda bem cheiinha. Esta é uma opção política que significa objectivamente uma transferência de rendimento entre o trabalho e o capital. Não se trata de uma opção por aumentar a receita e reduzir a despesa, controlando o défice público, porque o aumento de impostos é totalmente anulado (ficando ainda aquém) pela diminuição na receita que é originada com a redução na TSU.
Esta medida política é a demissão de qualquer análise económica séria sobre a natureza do problema que enfrentamos: num momento em que o desemprego se ultrapassa a si mesmo, e a economia entra em recessão, retira-se dinheiro de quem o gasta mais e pode revitalizar a economia, e dá-se a quem ou não vai gastar o dinheiro, poupando-o, ou, se o fizer, será em bens de luxo importados. É a velha questão das propensões marginais ao consumo e do multiplicador de Keynes, particularmente bem explanado por Michal Kalecki, e para que não percebeu nada do que eu disse desde o último ponto final, não está sozinho, neste governo também ninguém percebe.
Um governo que leva a cabo uma transferência desta magnitude apenas com a ténue esperança de que as empresas serão mais produtivas e venderão produtos a preços mais baixos, quando aliás toda a experiência foi que ganhos em produtividade (eufemismo em Portugal para pagar menos aos empregados) não têm tido qualquer efeito ao nível dos preços que se praticam, significa ideologia à solta. Cuidado.
Da ideologia
O blogger DBH, que escreve no blog 31 da Armada, confessa-se surpreendido por João Miranda e LR, bloggers do Blasfémias, serem tão claros na sua opção pela privatização total, absoluta e imediata da RTP. Como diz, nada deveria sobrar, e conclui que esta posição demonstra que a questão é ideológica e não é de mera preocupação orçamental.
O que é importante perceber é que, para que a questão da privatização da RTP fosse orçamental, já teria de ser ideológica. Ao dinheiro não se pede que pense.
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