O Kundera, na insustentável leveza, diz que há um provérbio alemão que significa "uma vez não conta", ou "uma vez é nunca". Aquilo que só fizemos uma vez, a primeira e última vez que fazemos alguma coisa, é um não-lugar, é uma Utopia. É um sítio ao qual nunca regressaremos, uma ilha isolada, protegida, a salvo de tudo exceto da nossa memória. E a nossa memória invade essa ilha, invade o sítio onde não voltamos, habita-o, coloniza-o, controla-o, aperfeiço-o, cobre-lhe as sombras. Os outros espaços, os espaços a que voltamos, serão sempre, ironicamente, esboços imperfeitos, sítios inacabados, sítios que a nossa memória não pode mexer, melhorar, sítios piores.
A partir de março, volto a Londres. Volto ao sítio onde vivi durante vários anos e de onde voltei há seis. Vou desafiar a minha memória a viver no mesmo sítio que eu. Recebi uma proposta profissional que estará próxima do irrecusável. Deixo um organismo público português para um organismo público inglês. A ironia de passar de um organismo público português para um inglês não é aparente. É uma caricatura do tempo histórico que atravessamos.
Mas vou feliz, e voltarei.
Mas vou feliz, e voltarei.