Tuesday, 11 June 2013

Metamorfoses

Apolo, deus do sol, exímio manejador do arco, vai de fazer pouco do cupido, deus na sombra que atira sem ver. Cupido, vingativo, acerta em Apolo com uma flecha das normais, das que apaixonam (de ponta afiada de ouro); a Dafne, ninfa lindíssima, acerta com uma flecha que escorraça, de ponta de chumbo arredondada. Dafne foge aflita pelo mato (a corrida despe-a, o vento sopra os cabelos para trás), e Apolo persegue-a sem resistir: o amor é a razão de te perseguir! Mas, vendo-a correr como se não houvesse amanhã, pelo mato, preocupa-se (Ai de mim! Temo que caias de cara ao chão, que as sebes arranhem as inocentes pernas, te magoes por minha culpa!) e propõe-lhe o seguinte: Corre mais devagar, abranda a tua corrida. Eu seguir-te-ei mais devagar.

É verdade que Apolo alcança Dafne e ela, porque pode, transforma-se em árvore. Mas o ponto fundamental é este: Apolo não consegue evitar perseguir Dafne, mas consegue propor-lhe persegui-la mais devagar. O bem e o amor não são nada a mesma coisa - nem sequer estão no mesmo nível. Mas o amor faz-nos querer fazer pequeno o mal que o amor faz. Persigo-te, e vou-te apanhar porque sou mais rápido que tu, não há nada a fazer quanto a isto!, mas proponho fazê-lo mais devagar para que não te magoes. A bondade, se quisermos, é o que falta ao amor para ser amor e não ser maldade. 


John William Waterhouse, 1908

Estou a adorar ler as metamorfoses.