Passei o fim de semana passado em Copenhaga, uma cidade que vale a pena revisitar - talvez não no sentido literal, mas de pensar um bocado naquilo.
O Glyptotek é um museu em Copenhaga que expõe uma soberba coleção de escultura - e é mesmo para ler soberba com os dois significados. Entendo totalmente o fascínio por colecionar escultura. Não acho que seja muito diferente do que levou o Hugh Hefner a montar uma indústria que, sistematicamente, despe mulheres. E não quero mesmo soar mais profundo do que manifestamente não consigo ser, mas a escultura é uma espécie de pornografia das emoções. Tudo é inteiramente simbólico e evidente, ao mesmo tempo. Esconde, mas não controla. É pequeno, mas é maior.
Existem três esculturas no Glyptotek onde alguém segura um globo pequeno e maior. A primeira é Penelope, a mulher que espera o regresso de Ulisses e, para se manter fiel, adia entregar-se a um dos vários pretendentes dizendo que só o fará quando acabar de tecer um sudário para o sogro. Todas as noites ela desfaz o que tece durante o dia, e, na escultura de J.A. Jerichau, um esculturor dinamarquês do século xix, ela segura numa mão, parecendo quase orgulhosa, o novelo que contém a sua fidelidade e resiliência. Um novelo que é a forma domesticada, humana, de uma infinidade de formas possíveis para aqueles fios todos se enrolarem. É a coisa pequena mais ameaçadora que ela podia segurar, uma ideia que lhe cabe na mão mas que é capaz de enrolá-la.
A segunda escultura é a da deusa, julgo que suméria, da fertilidade, que segura uma romã. A romã que tem lá dentro uma imensidão de sementes e um líquido vermelho parecido com sangue. Contém lá dentro a nova vida para os outros, e morte à volta.
A terceira é a do cupido, do Claudius Marioton, do Salón, e chama-se, na legenda em Inglês, "Eros making the world turn according to his pleasure". A escultura está colocada de modo a que o visitante a vê primeiro de costas. E aí parece uma criança entretida a escarafunchar o brinquedo mundo com uma seta. De frente, um esgar cruel mas compenetrado dá-nos a sensação que ele tem controlo sobre o que faz. Mas não sei se será verdade. Não sei se é verdade que é o amor primário que faz girar o mundo a seu bel prazer, ou se é o mundo que gira tão depressa que essas coisas ficam soterradas, pela simples força da gravidade, no seu núcleo. Incapaz de verdadeiramente sair e fazer girar o mundo, mas simultaneamente nuclear e residual à rapidez e força com que o mundo gira. Nesse caso, nem o pequeno deus do amor controla aquilo que segura?