Thursday, 3 January 2013

Dickens mas pouco

O poder é baseado na opinião. O poder atual é baseado numa opinião tão insuportável como ele próprio. Levámos no Natal com uma pastilhada ideológica absolutamente indefensável, que teve o seu zénite num anúncio a uma cadeia de supermercados onde um tal personagem com nome Gaspar surge como um chato poupador, contrariado por uma dona de casa moderadamente gira e moderadamente sensata que lhe mostra que é possível gastar pouco e, ainda assim, fazer a festa. A ideia de que o ministro das finanças é um sovina desmancha-prazeres é uma das duas únicas vitórias deste governo - coisa para ser replicada, vezes sem conta, por SMS, mail e conversa de circunstância à mesa da consoada, por quem acha que o está efetivamente a criticar (a outra vitória, aliás da mesma natureza, foi a de conseguir pessoalizar e isolar num único membro do governo o monopólio da bandidagem, como um caixote de lixo hermeticamente fechado para onde se atiraram as compressas com que se cuidou que o resto do governo se manteria perfeitamente assético). Repare-se em toda a iconografia do anúncio: o sr. Gaspar passa o Natal com uma família pequeno-burguesa, com mesa posta em toalha de plástico, que faz os planos de Natal na cozinha e que conta as gotas de espumante. É inexplicável que o sr. Gaspar apareça como o patriarca desta aldeia da roupa branca. É inexplicável que dr. Gaspar não apareça, em vez, de empregado de mesa num Natal de banqueiros, havendo um momento em que, no auge de uma bebedeira ideológica, surpreende os convivas atirando um molho de notas, dizendo, bonacheirão: epá, aqui têm o dinheirinho todo que precisam, e agora gastem-no como bem entenderem, que há mais de onde este veio (parece que os privados, que deterão residualmente o BANIF, onde o estado irá injetar mais de mil milhões de euros, irão manter integralmente o poder de decisão).