Da edição da Life de 29.7.1940
Saturday, 19 January 2013
Tuesday, 15 January 2013
Competitividade
A crise faz-me repensar as minhas ideias sobre a Economia. Em particular, isto de andar a defender que a deflação doméstica (reduzir salários e reduzir globalmente a despesa) não pode gerar ganhos de produtividade talvez seja de repensar. Em particular, quer-me parecer que estamos a chegar a um ponto em que a redução sistemática dos salários está a resultar em tornar-nos extraordinariamente competitivos a produzir pobreza.
Friday, 11 January 2013
Timão e os cães
É assim mesmo que se representa Shakespeare. Da forma que vi ontem, em Almada, representarem Timão, o Misantropo. E que bom que Almada se redima da medíocre representação do Mercador de Veneza, que por lá se arrastou há uns meses, oferecendo-nos com este Timão de Atenas o seu exato contraste. E se o Mercador é um dos grandes textos que Shakespeare escreveu, Timão não é - e é tanto maior a ironia e a felicidade que tenham achado necessário inovar sobre o primeiro, mas mantido o segundo intacto, deixando os atores munidos apenas de uma tradução sublime e dos extraordinários poderes de representação de um Luís Vicente e de um Marques d´Arede. Gente que sente tudo de Shakespeare exceto medo.
O Timão, resumidamente, é isto: homem rico dissipa riqueza oferecendo presentes aos amigos; quando precisa destes amigos, eles negam-no três vezes; Timão toma refúgio comendo raízes, a base da terra, numa floresta, mas encontra ouro; com ouro financia um exército para invadir Atenas e prostitutas que a infestem de doenças. Timão morre, mas o exército vence.
Timão é bom homem? Eu acho que não. Tenho entretido a ideia de que não há bondade que seja dissociada do humano. A bondade que não esteja à altura da complexidade das pessoas não é bondade, é desistência - que bem trouxe Timão ao mundo se dissipou a sua capacidade de agir sobre ele? A bondade tem de ser consequente, e para ser consequente tem de sobreviver, e para sobreviver tem de ser racional. E, para ser racional, tem de ser humana. Aquela discussão que agora surgiu por causa do cão que matou a criança parece-me um ótimo exemplo de como a defesa da bondade sem o primado do humano é inconsequente - é possível e desejável que se pratique o bem para com os cães, mas se pusermos em causa o humano estamos a pôr em causa a própria bondade ao cão: que bondade guarda o mundo animal para com os cães?
E isto lembra-me a minha parte preferida da peça, que, na verdade, são duas. O filósofo cínico Apemantus tenta avisar Timão de que ele está a ser enganado pelos amigos, recorrendo a uma metáfora curiosa. Em Português moderno até faria sentido dizermos que alguém anda a papar outra pessoa, mas em Inglês provavelmente não faz sentido. Diz Apemantus "O you gods, what a number of men eat Timon, and he sees 'em not!". Mais tarde, quando Timão está exilado e fala com dois bandidos, tenta convencê-los que eles têm tudo para sobreviver na floresta. A resposta de um dos bandidos é:
"We cannot live on grass, on berries, water,
As beasts and birds and fishes."
E Timão responde: "Nor on the beasts themselves, the birds, and fishes; You must eat men".
Acho fabulosa a conceção de que se o mundo não bastar para nos alimentar teremos de começar a comer homens. E acho que isto prende-se intimamente com a parte de a bondade ter de ser humana, ou não ser bondade.
Tuesday, 8 January 2013
Bieber e a substância ilícita
Esta notícia tem tanta graça. Parece redigida por um Américo Tomás privado do sono por uma noite a assistir a episódios da Heidi - "as imagens publicadas na passada sexta-feira mostram Bieber sentado num sofá a conversar e com um cigarro enrolado, que aparentemente contém substâncias ilícitas"; "nas redes sociais, alguns fãs ficaram chocados: “Bieber o que estás a fazer? Drogas, a sério?”" - , e versa sobre o modo como um artista da pós-pós-modernidade, que não compõe, não canta e não entretém, pode desiludir quem também achava que ele não existia.
Thursday, 3 January 2013
Dickens mas pouco
O poder é baseado na opinião. O poder atual é baseado numa opinião tão insuportável como ele próprio. Levámos no Natal com uma pastilhada ideológica absolutamente indefensável, que teve o seu zénite num anúncio a uma cadeia de supermercados onde um tal personagem com nome Gaspar surge como um chato poupador, contrariado por uma dona de casa moderadamente gira e moderadamente sensata que lhe mostra que é possível gastar pouco e, ainda assim, fazer a festa. A ideia de que o ministro das finanças é um sovina desmancha-prazeres é uma das duas únicas vitórias deste governo - coisa para ser replicada, vezes sem conta, por SMS, mail e conversa de circunstância à mesa da consoada, por quem acha que o está efetivamente a criticar (a outra vitória, aliás da mesma natureza, foi a de conseguir pessoalizar e isolar num único membro do governo o monopólio da bandidagem, como um caixote de lixo hermeticamente fechado para onde se atiraram as compressas com que se cuidou que o resto do governo se manteria perfeitamente assético). Repare-se em toda a iconografia do anúncio: o sr. Gaspar passa o Natal com uma família pequeno-burguesa, com mesa posta em toalha de plástico, que faz os planos de Natal na cozinha e que conta as gotas de espumante. É inexplicável que o sr. Gaspar apareça como o patriarca desta aldeia da roupa branca. É inexplicável que dr. Gaspar não apareça, em vez, de empregado de mesa num Natal de banqueiros, havendo um momento em que, no auge de uma bebedeira ideológica, surpreende os convivas atirando um molho de notas, dizendo, bonacheirão: epá, aqui têm o dinheirinho todo que precisam, e agora gastem-no como bem entenderem, que há mais de onde este veio (parece que os privados, que deterão residualmente o BANIF, onde o estado irá injetar mais de mil milhões de euros, irão manter integralmente o poder de decisão).
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